terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

A linguagem escrita nas instituições da infância

 Oi Pessoal!
Reproduzo aqui algumas reflexões minhas a respeito da escrita na educação infantil. Vamos discutir mais sobre isso? Convido a todos a postarem  suas opiniões, experiências, inquietações sobre o tema.
Grande abraço!




A linguagem escrita nas instituições da infância 
Janaína Vargas de Moraes Maudonnet [1]
                     janaina.maudonnet@gmail.com

RESUMO
Qual o lugar das letras na infância? Esse artigo pretende discutir essa questão refletindo sobre as concepções de criança, escrita e educação infantil em debate atualmente. Trata da escrita enquanto linguagem e de seu papel nas instituições da infância.

Palavras chaves: Alfabetização, Educação infantil


As crianças nascem imersas em um mundo com diferentes linguagens e práticas sociais utilizadas pelas pessoas para se expressarem, se comunicarem entre si e se organizarem socialmente. Na tentativa de entender o mundo que as rodeia, elas também se utilizam dessas linguagens, observando, agindo, pensando e interpretando o mundo por meio delas.
Nesse sentido, podemos definir linguagem como diferentes manifestações humanas: culturais, científicas e da vida cotidiana. A oralidade e a escrita são linguagens, assim como os desenhos, os movimentos corporais, as expressões faciais, a dança, a música. Todas são imersas em significação, expressão e comunicação, embora não sejam valorizadas por todas as culturas da mesma forma.
A escrita é uma linguagem muito valorizada pela nossa sociedade e além de possibilitar que o ser humano se expresse e se comunique, também é registro e expansão de memória, ou seja, serve para nos lembrarmos de coisas que só a memória não é capaz de registrar – originalmente essa foi sua função na humanidade. Por sua relevância e importância social, muitas vezes o ensino sistematizado dessa linguagem está atrelada a “boa qualidade” de uma instituição educativa destinada a infância, na qual se entende que quanto mais cedo a criança dominar o código escrito melhor será sua aprendizagem nos ensinos posteriores, decorrendo em maior sucesso profissional.
Sobre o trabalho com a escrita, afirma  Luiz Percival Leme de Brito:
Não pertencer à cultura escrita, numa sociedade que se impõe por ela, é ficar expulso das formas do espaço real de existência e de legitimidade. (...) Mas é preciso ter claro que alfabetizar não é formar no domínio de uma técnica, mas sim pôr a pessoa no mundo da escrita, de modo que ela possa transitar pelos discursos da escrita, ter condições de operar criticamente com os modos de pensar e produzir da cultura escrita. (BRITO, 2005, p. 14)
Antecipar o ensino das letras [na educação infantil] sem trazer para o debate a cultura escrita para o cotidiano é desrespeitar o tempo da infância e sustentar uma educação tecnicista (BRITO, 2005, p. 16)

Ou seja, incorporar e transitar entre os discursos escritos é muito mais do que saber as letras e aprender a juntá-las. Vygotsky, no início do século passado, já afirmava isso em seu texto, “A Pré-História da Linguagem Escrita”: Ensinamos as crianças a traçar as letras e a formar palavras com elas, mas não as ensinamos a linguagem escrita. (Vygotsky, 1995, p. 183).
Vivemos em uma sociedade em que a cultura escrita está muito presente. As crianças estão em contato cotidiano com esta nos anúncios publicitários, nos ônibus, nas placas de ruas, computadores, folhetos, jornais, revistas, entre outros. Muitas chegam à instituição de educação infantil curiosas e interessadas em saber como se expressar nessa linguagem. Aponta o Parecer das Diretrizes Curriculares Nacionais de Educação Infantil de 2009:
Também a linguagem escrita é objeto de interesse pelas crianças. Vivendo em um mundo onde a língua escrita está cada vez mais presente, as crianças começam a se interessar pela escrita muito antes dos professores a apresentarem formalmente. Contudo, há que se apontar que essa temática não está sendo muitas vezes adequadamente compreendida e trabalhada na Educação Infantil. O que se pode dizer é que o trabalho com a linguagem escrita com crianças pequenas não pode decididamente ser uma prática mecânica desprovida de sentido e centrada na decodificação do escrito. Sua apropriação pela criança se faz no reconhecimento, compreensão e fruição da linguagem que se usa para escrever, mediada pela professora e pelo professor, fazendo-se presente em atividades prazerosas de contato com diferentes gêneros escritos, como a leitura diária de livros pelo professor, a possibilidade da criança manusear livros e revistas e produzir narrativas e “textos”, mesmo sem saber ler e escrever” (Parecer DCNs, 2009, p.15).

O parecer atenta para a profileração de práticas de alfabetização redutoras e mecânicas, que centradas na decodificação do código escrito (voltadas ao ensino de letras e sílabas soltas), não possibilitam que as crianças possam fruir ou atribuir sentido à utilização da linguagem que se escreve. A instituição de educação infantil pode possibilitar a imersão da criança no mundo da linguagem escrita e em seus usos sociais: escrever para comunicar ou solicitar algo, para se lembrar, para se expressar, para se emocionar. Para isso, é importante ampliar o repertório das crianças em relação aos diferentes gêneros da escrita e possibilitar isso em um contexto em que ela precise fazer uso deles o mais próximo possível do uso que é feito na sociedade. A leitura de bons livros de literatura infantil é um dos exemplos citados nas DCNs. Mas, é preciso que a professora saiba escolher bons textos, se prepare para a leitura e promova situações em que as crianças possam fruir e ampliar seu repertório estético, cultural e ético, sem vincular a literatura infantil a uma cultura escolar ou a um instrumento pedagógico (como por exemplo o ato de ouvir uma história para desenhar depois), mas enquanto uma experiência estética.[2]
São vários os exemplos de práticas de escrita que consideram a cultura escrita enquanto prática social: a confecção de agendas pelas crianças de 5 anos que poderão se separar de seus colegas caso haja mudança de escola;  a elaboração de um convite para os familiares para um evento da instituição; a criação de um relato para registrar como foi e o que ficou mais significativo em um passeio realizado pela turma; o registro coletivo do processo vivido em um projeto do grupo; o uso de folhas de cheque, lista de compras, entre outros, nos cenários construídos para o brincar simbólico; os momentos em que as crianças ouvem e compartilham receitas, travalínguas, parlendas; entre tantas outras práticas realizadas cotidianamente por tantas instituições da infância. Para que elas possam participar dessas práticas, não é preciso que as crianças compreendam a relação de fonemas e grafemas e saibam escrever e ler convencionalmente. Em alguns momentos, a professora pode ser a escriba da turma e como isso está proporcionando que elas pensem também sobre o sistema de escrita.
Muitas crianças são desejosas em saber mais sobre como se escreve convencionalmente, isso é decorrência da interação que ela têm com a cultura escrita, muitas vezes mediada pelas professoras e professores. Não se trata de ignorar esse desejo da criança, mas sim de apoiá-la e ajudá-la a formular e verbalizar suas hipóteses, de modo que possa ir progressivamente entender a escrita alfabética.
As crianças por viverem em uma sociedade de cultura escrita têm informações e hipóteses sobre como escrever, ou seja, sabem coisas a respeito da escrita, o que não significa que esse saber seja socialmente reconhecido, como afirma Emilia Ferreiro:
Saber algo a respeito de certo objeto, não quer dizer, necessariamente, saber algo socialmente aceito como “conhecimento”. “Saber” significa ter construído alguma concepção que explica certo conjunto de fenômenos ou de objetos da realidade. FERREIRO, 2001, p. 17.)
Nesse sentido, cabe nos perguntar: o que sabem as crianças sobre a escrita? Como são escutados esses saberes? Como o desejo em conhecer mais sobre a escrita é suscitado nas crianças?
Mônica Correa nos ajuda a refletir sobre função da educação infantil no mundo das letras ao afirmar:
Não é na educação infantil que a criança se inicia na alfabetização. Esse processo se inicia fora das instituições escolares e, muitas vezes, antecede a entrada da criança nestas. Também não é nessa etapa educativa que a alfabetização se completará. A educação infantil tem como principal contribuição para esse processo que a criança se interesse pela leitura e escrita; fazer com que ela deseje aprender a ler e escrever; e, ainda fazer com que ela acredite que é capaz de fazê-lo. (CORREA, 2010, p. 15)

Algumas indagações
Trabalhar com crianças em uma instituição educativa sempre remete a nós, professoras e professores, algumas indagações no que diz respeito às nossas concepções de criança, educação e sociedade, uma vez que são essas representações que nos guiam em nossas práticas.
Nesse sentido, se acreditamos que as crianças são sujeitos sociais, produtoras de cultura e que têm como uma característica importante a percepção estética[3] do mundo, as práticas destinadas à elas precisam ser reveladoras desse princípio. Solicitar que “desenhem” e repitam letras, façam cópias e exercícios mecânicos de coordenação motora, por exemplo é desconsiderar essas dimensões do sujeito criança e tratá-la como um objeto que nada tem a dizer e que não pensa sobre o mundo, é submetê-las a ordem dos adultos, justamente, ao contrário de uma educação que tem como finalidade a educação para a cidadania democrática.
Trabalhar com crianças pequenas exige uma escuta profunda, envolve conhecê-las, entendê-las e apoiá-las em suas dúvidas, anseios, descobertas, conquistas e desafios. Aí reside a dimensão do cuidado educativo [4] no trabalho com a infância e que serve de princípio inclusive nas práticas voltadas à linguagem escrita.
Não podemos nos esquecer que o trabalho na instituição da infância tem que ser coerente com o universo infantil e com sua maneira lúdica e estética de construir significados para o que experiencia. O direito de ter acesso ao mundo da linguagem escrita não pode descuidar do direito de ser criança - e há muitas maneiras de se respeitarem as duas coisas. (CORREIA, 2010, p. 14)

Referencias Bibliográficas:
BRASIL/MEC. PARECER CNE/CEB Nº: 20/2009. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. 2009.

BRITTO, Luiz Percival Leme. Educação infantil e cultura escrita. IN: FARIA, Ana Lúcia Goulart e MELLO, Suely Amaral (orgs.). Linguagens infantis: outras formas de leitura. Campinas: Autores Associados, 2005, p.VII-XVI.
________________________ Letramento e Alfabetização: Implicações para a Educação Infantil. In: FARIA, Ana Lucia Goulart de. O Mundo da Escrita no Universo da Pequena Infância. Autores Associados, 2005.

BAPTISTA, Mônica Correia. A Linguagem escrita e o direito à educação na primeira infância. MEC. Consulta Pública sobre Orientações Curriculares Nacionais da Educação Infantil. Programa Currículo em Movimento. 2010.

FERREIRO, Emilia. Reflexões sobre alfabetização. São Paulo: Editora Cortez, 2001.

Lima, Elvira S. A criança pequena e suas linguagens. São Paulo: Editora sobradinho 107, 2002.

SOARES, M. Livros para a educação infantil: a perspectiva editorial. In: PAIVA, A. & SOARES, M. (org). Literatura infantil: políticas e concepções. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.

VYGOTSKY, L. A formação social da mente. 6 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1995.



[1] Professora do Curso de Pedagogia e da Pós graduação em Alfabetização e Letramento na Faculdade Sumaré e do curso de Pós Graduação em Educação Infantil  na UniFMU. Mestre em Educação pela Universidade de São Paulo

[2] Sobre isso ver livro Magda Soares, Literatura infantil: políticas e concepções.
[3] Como percepção estética me refiro ao olhar de encantamento e curiosidade muito característico da criança pequena na relação com o mundo que a rodeia.
[4] O conceito de cuidado tem aqui o sentido de cogitar, ou seja, ter atenção em, considerar. Assim, cuidar significa atender as necessidades de proteção, bem estar, saúde e segurança; atentar para os afetos emoções e sentimentos das crianças;  bem como, planejar espaços e situações que estimulem a inteligência e a imaginação, que permitam descobertas e agucem a curiosidade dos pequenos. Todos esses aspectos são indissociáveis em uma instituição de educação infantil.

6 comentários:

  1. Profundo, reflexivo e sobretudo muito gostoso de ler. Abraço. Rosa Maria Horta

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  2. Reflexão importantíssima a todos os profissionais da infância. Há algum tempo li um livro excelente sobre o tema e o recomendo:

    BRANDÃO, Ana Carolina Perusi; ROSA, Ester Calland de Souza. Ler e escrever na educação infantil: discutindo práticas pedagógicas.

    Amplexos!

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  3. Oi Jana!
    Adorei sua reflexão sobre linguagem escrita nas instituições de Educação Infantil...bjo
    Renata Honora

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  4. Seu blog é excelente Janaína. É muito inspirador ver o trabalho de colegas apaixonados pela educação. Parabéns!! Para um graduando do 5º período de Pedagogia este blog é mais um espaço de inspiração.

    Visite-me no http://bardopedagogo.blogspot.com/

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  5. Nós educadores sabemos que, em um meio social com pessoas de alto poder aquisitivo, o processo de iniciação à escrita começa muito antes da inserção da criança na escola. Segundo Piaget: A primeira fase do desenvolvimento infantil se chama sensório motor: é a fase da imitação. O contato com a escrita desperta o interesse na criança levando-a à imitar os outros. Nesse sentido uma criança que tem contato com o "mundo letrado" tem grandes chances de se desenvolver mais rápido do que uma criança de um meio social onde as pessoas não lêem com frequência ou estão cercadas de pessoas analfabetas.

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  6. Janaina, gostei muito da discussão que trouxe. Criança tem mesmo é que brincar muito. E na escola infantil é onde ela encontra os amigos e espaços apropriados para isso.

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