sábado, 24 de março de 2012

A pedagogia da escuta e o currículo na Educação Infantil



Olá a Todas e todos!    
    Hoje quero refletir com vocês sobre a importância da escuta na educação infantil. Esse é um nível de educação que vem há alguns anos buscando construir sua identidade aqui no Brasil. Ora em uma perspectiva mais assistencialista, outra em uma visão instrumental e conteudista, ainda há muita confusão sobre a especificidade de  educar  crianças pequenas em instituições coletivas.
  O que ensinar? De onde partir?  Como fazer? São questões complexas e que merecem ser assumidas com complexidade se quisermos respondê-las. Não se trata de copiar modelos de atividades para as crianças pintarem, completarem, registrarem, mas de pensar profundamente o que significa trabalhar com crianças e como as consideramos, de fato, no cotidiano da instituição.
     A  concepção que temos de criança e educação infantil influencia muito nas práticas pedagógicas destinada à elas. Como de fato pensamos a criança, o que cremos que elas são capazes de fazer? Essa é uma questão, cuja resposta diz muito sobre o que fazemos.
    Quantas vezes as crianças nos contam coisas engraçadas, inéditas, interessantes que  nos surpreendem? Pois bem, se considerarmos as crianças como portadoras de teorias sobre o mundo, se levamos em conta que ela atribui sentido para aquilo que lhe é oferecido, que aprende nas relações que estabelece com as coisas do mundo, há que se pensar: que  relações e sentidos são atribuídos a um desenho pronto e fotocopiado na qual ela tem apenas que pintar? Ou colar bolinhas de papel crepom em uma folha? Copiar uma obra de arte, e tantos outros exemplos que conhecemos muito bem? E as indagações, as questões que elas fazem sobre tudo? Onde ficam? Confinadas apenas em seus pensamentos como a folha sulfite com a qual sempre trabalham (mesmo que seja A3)?
    As crianças pensam tantas coisas sobre o que ocorre no mundo, fantasiam a partir do que vêem e conhecem. Mas o que exatamente perguntam? Para onde está direcionada a sua curiosidade? O que dizem sobre o mundo?  O que conhecem? Que experiências viveram? Como vivem? Como atribuem significado para elas? São tantas as perguntas a serem feitas e consideradas quando se trata de ouvir os pequenos e,  escutá-los é a melhor maneira de responder as nossas indagações sobre o que e como construir uma pedagogia com a  infância.
   Nas Diretrizes Curriculares Nacionais, o currículo é definido como: “Conjunto de práticas que buscam articular as experiências e os saberes das crianças com os conhecimentos que fazem parte do patrimônio cultural, artístico, científico e tecnológico”.
     Ou seja, currículo não é aquele que engradea, que está pronto antes mesmo de conhecermos as crianças, que se traduz em uma série de “atividades” prontas que vamos aplicando progressivamente para elas, que já está posto e cabe ao educador apenas aplicá-lo. Currículo vai sendo construído no dia-a-dia, junto com os pequenos, considerando quem são, o que sabem e como pensam o mundo. Por isso, cada currículo vai sendo construído a partir de cada grupo.
    Mas isso, exige do educador uma outra postura em relação a educação infantil e aos pequenos, exige uma escuta profunda das crianças.
    Afirma Eloiza Ponzo sobre a Pedagogia da Escuta: Pedagogia que acolhe a criança competente e possibilita um professor competente. Que cria um contexto de escuta [...] A escuta que legitima o outro e dá forma a seu pensamento. Escuta como um ato de respeito e amor.   Escutar com os olhos, com o tato, com todo corpo. [...]   Escuta é curiosidade, pesquisa, teoria”
     A escuta das crianças considera não só que elas são competentes, mas acredita que o professor também o é, porque investe na idéia de que ele é a melhor pessoa para pensar como viver o currículo na educação infantil, já que é ele quem convive com elas cotidianamente.
     Mas para isso, é preciso assumir que a instituição é um lugar de pesquisa, de conhecimento. E toda pesquisa precisa de instrumentos como observação (da criança e seu contexto; das interações);  escuta (processo contínuo, aprender sobre a criança, como pensa e sente o mundo, como se coloca diante dos outros), reflexão   sobre as experiências com as crianças e elaboração de um planejamento  centrado na criança.
     Isso exige uma formação continuada sólida dos professores, com espaço para reflexão coletiva, tematização de práticas, diálogo com a teoria.  Trata-se de um fazer que exige aprofundamento, discussão, formação constante. Educar e cuidar das crianças é uma tarefa complexa que não pode ser delegada a “atividades” de apostilas, prontas, que desconsideram as crianças e não permitem que os professores pensem profundamente sobre quem elas são, porque aí o foco é a atividade e não quem deve ser legitimamente o centro desse processo: a criança.

9 comentários:

  1. Janaína,
    Sua reflexão chegou na hora certa. Penso que esse seja o debate com o qual devemos nos ocupar nos Centros de Educação Infantil para que consigamos, de fato, construir um currículo "com" a criança pequena. Um forte abraço!

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  2. Concordo plenamente,mas porque os alunos que seguem apostilas,por exemplo do anglo,conseguem entrar em uma faculdade pública e os nossos geralmente ficam fora?Como ja mencionei anteriormente eu concordo,mas fico pensando muito se estou fazendo o certo,já que os números dizem o contrário.

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  3. É possível realmente afirmar que crianças que são submetidas desde muito pequenas a apostilas são melhores qualificadas no vestibular? Você conhece alguma pesquisa que estuda esse impacto?
    Cabe uma questão: para que serve a educação infantil na sua opinião?

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  4. Professora Janaína gostaria de dizer que o problema em questão, não é o uso de apostilas ou não. O que devemos discutir é o uso dessas apostila questões como: que experiências de vida meus alunos têm, que critérios são utilizados para selecionar os conteúdos, quem seleciona os conteúdos das apostilas. São técnicos ou educadores. Na minha opinião as apostilas podem ser utilizadas sem problemas se o educador fizer esses auto- questionamentos.

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  5. Olá!
    As apostilas são um problema, ainda que elaboradas pelos professores das crianças, já que seu uso não se trata apenas de uma questão de adequação do professor a seu trabalho, mas da concepção que se tem de conhecimento e de educação.
    Se o foco do olhar do professor são as crianças reais, as que ele tem naquele ano, suas aprendizagens, experiências anteriores e desafios, a melhor programação de seu trabalho será voltada a isso, e portanto não dá para padronizar.
    As apostilas desconsideram as crianças que temos, pois intituicionalizam um padrão de atividade e o foco sempre vai ser a atividade a ser desenvolvida.
    Por que não criar projetos com as crianças, desafiá-las a olhar o mundo, indagar sobre ele, trazer contribuições para elas partir dessas indagações, oferecer experiências que mexem com o corpo todo, com o movimento, a dança a produção criativa. Por que ainda para nós o registro em uma folha de papel é tão importante?
    Beijos!

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    1. Sobre o ponto de vista de um guia sequêncial de conteúdos pedagógicos, as apostilas são um problema, mas não só elas como também os livros podem ser um problema. Vamos pensar o seguintes: Por que ainda hoje o educador precisa seguir a sequência de conteúdos que a apostila ou o livro apresentam. Sei que muitas vezes, seguir a sequência de páginas. Em minha época de estudante já ouvi professores falarem: -escolhi esse livro porque meu colega me disse que é muito bom ou a escola escolheu esse livro e eu e o diretor disse que eu preciso acaba-lo até o final do ano. Pensemos o seguinte será que o livro que foi indicado para mim por outro professor é o melhor livro para os meus alunos. Será que todos os conteúdos daquele livro são relevantes à meus alunos. Deixo um questionamento à você: Diante das questões que levantei não seria uma apostila elaborada pelo educador, um material mais adequado que o livro

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  6. a pessoa anônima que escreveu acima tem razão quando comprova o óbvio, ou seja, o aluno que usa a apostila passa mais fácil no vestibular, enquanto alunos que são formadas com boas orientações pedagógicas não entram na universidade. ´Verdade! só que essa pessoa acha que o ensino básico só deve se preocupar em preparar o jovem para passar no vestibular, mas na minha opinião não devemos reduzir toda a formação cidadã da pessoa para cursar uma universidade. Claro que a Universidade é fundamental e este é o objetivo que o jovem deve ter, mas além deste objetivo ele deve ser um cidadão, o que a pedagogia instrumental mecanicista da apostilha não lhe dá., e é aí que está a diferença entre a pedagogia aqui referida e a pedagogia do olhar e da escuta. Um aluno bem formado é um bom leitor, sabe refletir, tem formação cidadã, é crítico, a sua aprendizagem não esbarra num exame de vestibular, vai além, tem potencial para ser um bom universitário (aqui estou considerando o aluno de uma boa Universidade e não universidades tipo supermercados) e um bom profissional no futuro, enquanto um aluno que se preocupa somente em decorar questões e fórmulas, não domina a leitura, não sabe olhar, escutar e interpretar a realidade, entra certamente na universidade, em sua maioria do tipo de universidade com 'v' minúsculo com já me referi, normalmente vai ser um aluno fraco, desinteressado pelo curso que está fazendo, sem consciência do seu papel de cidadão e certamente um futuro profissional que vai enfrentar dificuldades para conseguir emprego. É por isto que eu defendo arduamente a pedagogia do olhar, do escutar e do ler.

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  7. Parabéns pelo texto Janaína! Educo a minha filha em casa e faz toda a diferença quando estamos prontos para ensinar o que a criança realmente quer aprender, o que faz parte de sua vida. A curiosidade dela é tão grande e cresce a cada dia que não existem limites para o aprendizado, conversamos sobre muitas coisas, investigamos, fazemos experiências e assim seguimos com o mundo à nossa frente aprendendo coisas significativas que certamente serão lembradas por ela. Apostilas e livros limitam o conhecimento dos pequenos. Ontem ela quis fazer uma cidade, hoje ela fez experiências científicas e amanhã não sei exatamente o que irá fazer, mas sei que estou pronta para correr, pular e mergulhar junto com ela. Você já leu algum texto ou livro do John Holt? Se não, acredito que você irá gostar de alguma ideias dele. Escreverei aqui o trecho do livro Aprendendo o tempo todo de John Holt: "Por um lado é verdade, e por outro é equivocado dizer que as crianças querem aprender. Sim, é verdade que querem mas da mesma forma que querem respirar. Aprender, não mais que respirar, não é um ato de vontade dos pequenos. Eles não pensam: "Agora vou aprender isso ou aquilo". Está em sua natureza olhar para o mundo, apropriar-se dele com seus sentidos e construir sentidos a partir dessa experiência, sem saber absolutamente como estão fazendo isso e sem nem mesmo saber que estão fazendo isso. Um dos maiores erros que cometemos com as crianças é torná-las consciente de sua aprendizagem, a ponto delas começarem a perguntar a si mesmas: "Será que estou aprendendo ou não?" A verdade é que qualquer um que esteja vivendo, expondo-se à vida e entrando em contato com ela com energia e entusiasmo, está ao mesmo tempo aprendendo." Muito obrigada pelo texto. Abraços, Sabrina.

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  8. Que legal é notar outras pessoas trocando experiências,onde nos á um desconforto em sempre poder disponibilizar e ministrar um um planejamento de ensino .
    Confesso ainda não leciono na area,sou graduanda em Pedagogia e me sencontro no 3º Semestre , trabalho numa escola de Cursos Profissionalizantes,onde tem como responábilidade instruir e preparar o aluno para o mercado de trabalho .E posso afirmar que estou de acordo com a coloção de alguns comentários ,onde a pergunta em questão é como lecionar com o auxilio dos livros disponibilizados pela escola ,mas como já sabemos não podemos dar uma educação igualitária a 25 alunos de uma sala de aula ,afinal não deve haver divisão logico,mas que haja um encontro de conhecimento onde o mediador deve ter sabedoria em selecionar e planejar suas aula e no entanto também estar a espera de mudança de planos,para não tornar a aula metodica e dos nossos alunos seres robôticos .

    Bjs colegas
    Muito grata pela troca de conhecimento .

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