sábado, 4 de agosto de 2012

Conferência Manuel Sarmento - 28o. Simpósio Mundial da OMEP


Olá a todas e todos!
Reproduzo abaixo a conferência de Manuel Sarmento no 28o. Simpósio Mundial da OMEP. Sarmento é professor da Universidade do Minho, em Portugal e uma das principais referências na da Sociologia da Infância.

Primeira Infância no Século XXI: direito das crianças de viver, brincar, explorar e conhecer o mundo
O autor iniciou sua fala tratando da Convenção dos Direitos das Crianças (Aprovada na Assembléia Geral das Nações Unidas em 1989) que representa no plano jurídico de uma nova concepção social da infância, uma outra idéia da criança que se impõe a idéia voltada pelo principio da negatividade. Criança definida não pelo que é, mas pelo que não poderia fazer: não votar, não casar, não trabalhar, não beber. Com a convenção proclama-se a idéia de criança capaz, competente e participativa. Idéia de criança como cidadã. Cidadania da infância que as crianças são protagonistas, sujeitos ativos de direitos. Três PS:  Proteção contra violência, maus tratos, exploração; Provisão - Estados se obrigam a garantir as crianças as condições fundamentais de vida e dignidade, Provisao é exigência, garantia do Estado; Participação que aparece pela primeira vez em um documento oficial: criança tem o direito de participar ativamente em tudo que lhe diz respeito ( ex: ouvir a criança em processos judiciais), Criança deve ser informada e ter acesso ao conhecimento para participar ativamente.
Direitos das crianças constituem base de trabalho fundamental para muitos países do mundo. Dois países não assinaram: Somália e EUA. Trata-se de um dos documentos do mundo mais reconhecidos e com maior impacto mundial. Faz sentido ter um ponto de vista critico sobre ele, mas é um ponto de partida para ser aprofundado e ampliado.
Mas há contradição entre a lei escrita e a lei na pratica. Na prática ela não é aplicada em muito locais. Diversidade cultural precisa ser defendia, sem cair no relativismo que contrapõe aos direitos das crianças.
Estado de direitos no mundo são contraditórios. Direitos que se colocam em uma sociedade contraditória . Paradoxo: nunca se foi feito uma tão vasta proclamação dos direitos das crianças e nunca houve uma restrição social tão grande às crianças, sobretudo em países pobres, nunca como hoje houve tanto controle simbólico sobre as crianças, nunca como hoje crianças ficaram tanto em Instituições e em instituições que estão vivendo em uma crise.

Características da sociedade contemporânea: Vivemos uma 2a. Modernidade marcada pela globalização (política, econômica e cultural) e o individualismo institucionalizado. Beck Gemshem 2003.
A infância proclamada nos direitos da convenção vive no interior de uma regulação social, que tem uma administração simbólica da infância que é construída nessa sociedade de forma avançada do capitalismo. Essa regulação se exprime em regras formais e não formais (simbólicas, através de crenças, mas que fundam os laços sociais).
GLOBALIZACAO
Globalização coloca a criança dentro de uma universalização. Mesma vestimenta das crianças em todos os países do mundo -mercado global de produtos para a infância. Mas a difusão da industria cultural não apenas de produtos, mas em serviços: cursos de ferias, cursos de inglês,etc.

Principio de individualização- valor e principio de autonomia. Autonomia é um conceito ambivalente e precisa ser discutido nas várias dimensões. Uma delas é a idéia de que a criança é tão competente e capaz que ela pode ter suas próprias regras (isso vem do sentido etimológico da palavra). Essa idéia de autonomia tem conseqüências na idéia de participação.

Há a idéia de criança global. Difusão universal de Normatividade inerente ao "melhor interesse da criança". Norma ocidental moderna da infância. Idéia de que toda a criança tem o direito de viver em uma família e de freqüentar a escola, e garantir o acesso ao mundo social pela escola. Globalização tem promovido como nunca no passado, um aumento das desigualdades sociais nas crianças, que é expressão das desigualdades sociais no mundo inteiro. Se a situação da infância melhorou globalmente não significa que todas as crianças tiveram suas condições de vida melhoradas em todos os países e da mesma maneira. Aumento das desigualdades tem como conseqüência o desrespeito aos direitos das crianças.
Estamos vivendo em uma sociedade de risco marcada: pelo desemprego parental, emprego bem escasso, em alguns países da Europa, como Portugal e Espanha há taxas recordes de desemprego e o eesemprego parental produz uma serie de conseqüências as crianças e cria riscos múltiplos a elas; pelos riscos relacionados ao meio ambientes - terremotos, aquecimento, nunca as crianças tiveram tantas doenças alérgicas; pelos riscos decorrentes dos acidentes rodoviários e a motorização dos transportes; pelos riscos decorrentes de guerras e conflitos no mundo.

INDIVIDUALIZACAO
Há a idéia de que a escola deve inserir o indivíduo na cultura e socializar, escola deve ensinar que a criança deve ser capaz de fazer avançar e emergir suas competências individuais, ser capaz de ser competitiva e ambiciosa. Valorização da idéia da performance individual. Cada homem e cada mulher tem uma missão individual, como se a sociedade fosse uma associação livre. Por individualismo entendemos  desvalorização do coletivo. O ideal neoliberal é de que a sociedade se auto regula pela concorrência, mas a sociedade não se autoregula, ela estratifica. Ênfase no privado, fragiliza laços sociais. Neste repertorio de socialização para o individualismo cabem normas de conduta, princípios de referência, critérios de performances. Essa idéia de autoregulação e autonomia cria grandes desigualdades sociais. Pois, a idéia de autonomia só faz sentido quando conjugada com o principio da solidariedade.

Hoje a imagem da criança é de um ser humano pleno, hoje a criança é complexa e densa e exprime claramente a sociedade extraordinariamente complexa. E é essa criança complexa e densa que a Educação Infantil tem que conjugar. Para isso, as crianças precisam ser ouvidas.
Uma criança disse: "Os adultos devem ouvir as crianças, porque elas também os ouvem", Os adultos devem ouvir as crianças porque elas são pessoas e tem coisas interessantes a dizer. Ouvir as crianças no interior das instituições é uma condição para garantia dos direitos e uma condição para um dialogo justo, de partilha o poder, Dialogo entre gerações. Isso exige que ultrapassemos os mecanismos formais dos adultos, como assembléias, parlamentos. Precisamos ouvir o que as crianças dizem, como dizem, por suas vozes, gestos, olhares, silêncios. Expressão corporal das crianças deve ser promovida, valorizada e interpretada pelos adultos. Precisamos criar formas imaginativas de escuta das crianças fora dos canais habituais.
A audição da voz é condição da garantia da proteção às crianças. Proteger vivamente as crianças é ir contra o silêncio, que é abusivo. Perceber que a  criança é um todo marcada pela vida e seu contexto. Trabalho de escuta, mas também de reestruturação institucionais. Instituições das crianças precisam ser vistas como instituições marcadas pelas crianças. Precisamos nos interrogar: o que a crianças fazem na instituição? O tamanho do mobiliário, as cores das paredes, as relações humanas, as prioridades, os tempos, as organizações hierárquicas seriam as mesmas se não tivesse crianças? Como percebo as vozes das crianças para avaliar as instituições? Como as coisas que tenho na instituição afetam as crianças? Instituições para crianças precisam ser pensadas como instituições para crianças e não para adultos.
Criação de um espaço e tempo democrático, principio de respeito mútuo entre crianças e adultos. Conceito de cidadania intima, ser cidadão não se esgota na relação com o espaço publico, mas também se dá no espaço privado . Direitos da cidadania se exprimem nas relações entre crianças e adultos.
Mudança paradigmática, que não é isenta de ambigüidade, mas que exige políticas e vontade coletiva, e um grande trabalho pedagógico.


Educação infantil cresceu a partir de três perspectivas, que ocorrem anacronicamente, não necessariamente cronológica: 1. Tradição assistencialista, filantrópica e caritativa: creche, pretensão de guarda está na gênese de muitas instituições para crianças; 2. Inspiração desenvolvimentista e escola novistas: jardins da infância; 3. A pretensão instrucional: a pré-escola (escolarização precoce). Portanto, é um espaço tenso entre diferentes formas de pensá-la.

A Educação Infantil concebida: 
1 Como oficio de criança- necessidade do lúdico, brincar como ofício do mundo;
2. EI globalizada e o regresso da educação compensatória. Capitalismo entende educação infantil como mercado, emergência de empresas que exerce o controle da EI, como apostilas, formações, dispositivas de avaliação externa, regulação, disputa no mercado de concorrência que se assumem como mais valias distintivas  dentro do mercado educacional;
3. Como cidadã e democrática. Sociedade não pode ser pensada como mercado, assim como EI. Educação Infantil como defesa dos direitos da crianças, educar e cuidar em osmose permanente. Educação Infantili verdadeiramente orientada para a promoção dos direitos.

Educação Infantil tem tensões permanentes  vivida por educadores: individualização x socialização; autonomia e autoridade; competência e aprendizagem; Cultura da escola e culturas infanto juvenis; EI como lugar de disciplina e de liberdade.
Tensões precisam ser vividas, não podem ser afastadas. Elas colocam dilemas e são as formas como eles serão enfrentados que vai garantir a educação democrática. E para organizar uma educação democrática, é preciso: 1.organizar EI como campo de oportunidade: descoberta cotidiana feita a partir de princípios, privilegia intervenção dos educadores atentos as crianças e a suas falas, que parte das crianças e de suas práticas culturais; 2. EI como lugar de encontro de culturas. Lugar em que as culturas se entrelaçam, crianças devem ser interessadas pelas linguagens dos outros; 3. EI que é também um mundo social, nunca é demasiadamente tarde para fazer uma criança feliz. Criança não é apenas entendida e interpretada como ser aprendente.; 4. Organizar a escola como polis, uma cidade onde tem lugar a afirmação da identidade social. Educação é afirmação de uma cidadania social, cognitiva, social.

Conclusões: nessa sociedade complexa, a educação infantil é chamada para trabalhar com questões complexas. Partir das  crianças é um bom caminho, garantir a resistência reforçando os vínculos. capacidade que as crianças tem de transformar os objetos, encontrar a novidade naquilo que se repetem continuamente.

Um comentário:

  1. Olá! Muito interessante seu blog. Aborda várias questões importantes para a educação infantil

    Sou a Lili, professora de educação infantil em Campinas, SP. Brasil Também registro um pouco do meu cotidiano no blog: -Me ajuda a olhar! - http://meajudaaolhar.wordpress.com
    Recentemente, iniciei um apanhado de outros blogs com registros de professores e escolas sobre seu cotidiano. Adicionei também o seu, por ser muito interessante e relevante. Para visitar, clique em
    Além dos muros escolares - http://alemdosmurosescolares.wordpress.com

    Um abraço
    Lili

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