Estou cursando uma disciplina sobre políticas públicas em Educação
Infantil em uma universidade americana esse semestre. Nesse curso, tenho tido
acesso a várias pesquisas sobre como se dão as políticas públicas nesse país e
como buscam medir o efeito delas.
Existem muitos programas para a Educação Infantil nos Estados Unidos,
alguns poucos federais, como o Head Start destinado à crianças com famílias de
baixa renda. Mas a maioria dos programas são estaduais, e nessa seara tem
vários propostas desde de “vouchers” pra instituições particulares até
programas informais de atendimento.
Nessa complexidade e variedade de atendimento, são muitas as
pesquisas que buscam avaliar o impacto desses programas. O que mais tem se
sobressaído nas leituras a que tenho tido acesso são as pesquisas que buscam
medir efeitos da Educação Infantil a longo prazo, ou seja aquelas que medem o
resultado das experiências das crianças nessa etapa para a vida posterior dos
sujeitos. Nessas pesquisas, parece haver um consenso de que a crianças de baixa
renda que frequentam a pré-escola com “alta qualidade” [1]mostram
melhores rendimentos acadêmicos, tem acesso a melhores empregos e há uma
diminuição de gravidez na adolescência e de atividades criminosas quando
adultos. Há em geral um levantamento grande de dados sobre a situação econômica
e estrutural das famílias ao longo do tempo e uma infinidade de testes são
aplicados nas crianças desde a Educação Infantil até a adolescência.
O impacto dos resultados dessas pesquisas nas políticas públicas não
é unânime entre os pesquisadores, mas parece haver um consenso de que para medir
qualidade é preciso fazê-lo de forma objetiva, por meio de “dados precisos”. Há por trás dessa perspectiva uma visão
positivista que considera que a “boa” e confiável ciência é aquela que se mede
por meio de surveys e dados numéricos.
Organismos internacionais e alguns pesquisadores no Brasil, principalmente
aqueles que partem da ideia de “criança como investimento” tem se alimentado e
replicado essa lógica. São várias as propostas de avaliação em larga escala do
desenvolvimento infantil nas instituições de Educação Infantil baseadas nessa
perspectiva no país.
Por outro lado, outras pesquisas e documentos oficiais nacionais
brasileiros, revelam uma outra lógica de investigação e de qualidade na
Educação Infantil. Baseadas em estudos europeus, especialmente a partir das
contribuições de Peter Moss, Aldo Fortunati entre outros e nos estudos da
sociologia e antropologia da infância, trazem uma outra perspectiva para a
medição de qualidade: “ a negociada”. Ainda que existam parâmetros e
indicadores, é preciso escutar como os sujeitos significam essa qualidade,
inclusive para aperfeiçoar esses indicadores que não são estáticos nem neutros e
trazem em seu bojo uma visão de infância e de Educação Infantil.
A experiência do município de São Paulo entre os anos de 2014 e
2016, na construção dos “Indicadores de
Qualidade da Educação Infantil Paulistana” é reveladora dessa outra lógica. A
partir de indicadores de qualidade levantados pelos documentos nacionais, diferentes
segmentos (funcionários, familiares e por vezes, crianças) das instituições de
Educação Infantil da cidade fizeram uma auto-avaliação das unidades e recriaram
os indicadores ali presentes. As diferentes vozes foram escutadas, trazendo
para as instituições um papel político na discussão sobre a infância na
sociedade e na gestão democrática das unidades. Ainda que a metodologia possa
ser aperfeiçoada e que seja necessário a criação de uma cultura de avaliação
participativa, a proposta traz uma importante mensagem: as vozes dos sujeitos
precisam ser consideradas quando se trata de avaliar qualidade, inclusive a dos bebês e das crianças. O que
parece estar longe do horizonte americano!
Olhando para essas diferentes perspectivas sobre medição da qualidade
na Educação Infantil, vem à mente uma questão de fundo: Para pensar qualidade,
é preciso pensar o que se espera da
Educação Infantil. A Educação Infantil se constitui uma panaceia para resolver
problemas sociais? Trata-se de melhoria do desempenho acadêmico nas séries
iniciais e posteriores (leia-se linguagem oral, escrita e matemática)? Trata-se
de garantir que as crianças vivam uma boa infância? É uma iniciação à cultura
humana, suas diferentes linguagens e suas formas de ser e estar no mundo? Essas
alternativas são excludentes? Em que medida?
Concepções de infância, Educação Infantil, de pesquisa e de quais são os sujeitos que
devem ter suas vozes legitimadas (pesquisadores, profissionais, familiares e/ou
crianças) induzem as políticas públicas. E políticas públicas afetam
diretamente o cotidiano das instituições de Educação Infantil e as experiências
as quais as crianças são submetidas.
[1]não há consenso sobre o que seria isso, mas a tendência é
considerá-la a partir de testagens em larga escala do desenvolvimento infantil)
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