A criança como investimento tem sido um
discurso muito propalado pelo mundo e especialmente nos Estados Unidos. Há
inúmeras pesquisas (links abaixo) que buscam provar quanto vale o investimento na educação infantil
para a sociedade. Há pesquisas que, para medir esse impacto, buscam cercar os
resultados nas aprendizagens (por meio e testagens de larga escala) das crianças nos primeiros anos do
fundamental, nos anos finais e na adolescência, pesquisas que procuram
demonstrar que a frequência na Educação Infantil diminui a criminalidade e tem impacto na
melhoria da saúde ao longo da vida dos sujeitos que a frequentaram. A própria
UNESCO apresenta o cálculo de que investir U$1,00 na educação infantil
significa economizar U$ 7,00 quando as crianças estiverem adultas.
É um discurso atraente e muitas vezes
convincente, mas também preocupante! Isso porque foca na importância da
Educação Infantil apenas como investimento. E assim, se reproduz a lógica de
que a criança só é importante como sujeito que virá a ser.
A ideia de infância, como uma fase
especial e distinta do adulto, surgiu
quando a sociedade se tornou tão complexa que era preciso que as crianças
fossem preparadas para viver nela e a escola o lugar dessa preparação (Àries). A
ideia de infância surgiu na perspectiva de vir a ser e tem sido perpetuada ao
longo dos séculos.
As criança já são! São sujeitos que, longe
de ser passivos, atribuem significado ao mundo e as experiências que vivenciam,
tem curiosidades, desejos e inquietações e se manifestam por meio de múltiplas
linguagens, como gestos, expressões faciais, oralmente,... Visibilizar os
fazeres e manifestações dos bebês e das crianças pequenas, demonstrando a
potência desses sujeitos, é uma forma de
valorizar a infância como tal, não como vir a ser. E são inúmeras
pesquisas (link abaixo) de áreas como a sociologia e a
antropologia que vem demonstrando essa potência por meio de metodologias de
escuta.
Não é a toa que em boa parte do mundo, os
professores de educação infantil sejam tão desvalorizados! Quanto menor a idade
da criança, maior a desvalorização de seus educadores. Se há uma desvalorização
e uma invisibilização da infância na sociedade, há uma desvalorização das/dos profissionais
que trabalham com ela. Se considerarmos que a maior parte dos profissionais da
infância são mulheres, a desvalorização se acentua, haja visto a desigualdade
de gênero que ainda perpetua.
É preciso defender uma educação infantil
na qual bebês e crianças pequenas possam
viver plenamente suas infâncias, brincando e interagindo com seus pares e com
adultos, conhecendo sobre o mundo que a cerca por meio das múltiplas linguagens
- que o ser humano criou para interagir e se comunicar - e aprendendo a cuidar
de si, do outro, do ambiente, por meio de interações saudáveis, onde as pessoas
estar bem e felizes!
Bem-estar, felicidade, curiosidades,
manifestações infantis e mesmo aprendizagens [1]
não se medem por meio de testagens em larga escala do desenvolvimento infantil,
nem com fórmulas matemáticas. Isso não significa que as instituições de
educação infantil não tenham que ser avaliadas nas práticas que disponibilizam
para crianças e adultos.
Por fim,
visibilizar a infância e construir práticas pedagógicas e políticas
públicas destinadas à elas, envolve mais do que pensar sobre seu futuro e o
futuro da sociedade, mas trata-se de discutir: o que se quer para a infância
hoje! E cada cidade, cada instituição de educação infantil tem a possibilidade
de ser um espaço de debate sobre a infância. Visibilizá-la e lutar por ela é o
nosso compromisso como defensores da infância!
_______________
1. Aprendizagem no sentido amplo do termo e
não do número de letras, palavras ou
números que as crianças são capazes de enunciar, como boa parte dos testes
preconizam.
Links para algumas das pesquisas citadas no primeiro parágrafo:
https://heckmanequation.org/resource/invest-in-early-childhood-development-reduce-deficits-strengthen-the-economy/
https://www.purdue.edu/hhs/hdfs/fii/wp-content/uploads/2015/07/s_wifis31c03.pdf
https://www.ineteconomics.org/perspectives/blog/heckman-study-investment-in-early-childhood-education-yields-substantial-gains-for-the-economy
http://www.child-encyclopedia.com/school-success/according-experts/school-completionacademic-achievement-outcomes-early-childhood
Links e referências para algumas das pesquisas citadas no 4o. paragrafo:
http://www.laplageemrevista.ufscar.br/index.php/lpg/article/view/241
http://www.scielo.br/pdf/es/v27n95/a12v2795.pdf
CORSARO, W. A. Reprodução interpretativa e cultura de pares. In: MÜLLER,
F.; CARVALHO, A. M. A.. Teoria e prática na pesquisa com crianças: diálogos com
William Corsaro. São Paulo: Cortez, 2009. p. 31-50.
SARMENTO, M. J. (Coord.). As culturas da infância nas encruzilhadas da 2a modernidade. In: SARMENTO, M. J.; CERISARA, A. B. (Org.). Crianças e miúdos: perspectivas sociopedagógicas sobre infância e educação. Porto: Asa, 2004.
SARMENTO, M. J. (Coord.). As culturas da infância nas encruzilhadas da 2a modernidade. In: SARMENTO, M. J.; CERISARA, A. B. (Org.). Crianças e miúdos: perspectivas sociopedagógicas sobre infância e educação. Porto: Asa, 2004.
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