Recentemente,
a revista Nova Escola publicou uma reportagem (Informe publicitário) sobre as “maravilhas”
das escolas estadunidenses, como se fosse possível padronizá-las.
O
fato das escolas nos Estados Unidos serem regidas pelos distritos traz uma
grande diferenciação entre elas. Dependendo do distrito escolar e do bairro em
que a escola se encontra, elas podem ter maior ou menor estrutura e
oportunidades educacionais para seus alunos. Os distritos escolares podem ser localizados em
apenas uma cidade ou podem abarcar várias cidades.
Para
entender melhor essa complexidade, trarei como exemplo, as escolas em que
meu filho estudou no país, ambas no estado da Califórnia. A primeira foi na cidade de Irvine, em Orange
County, um dos condados mais ricos do país. As escolas do Distrito Unificado de
Irvine (IUSD) contam com um ótimo padrão de infraestrutura, profissionais bem pagos e uma média de 30 alunos por sala.
Nessa cidade, parte dos impostos de moradia são destinados às escolas. Como os
impostos são mais altos, as escolas recebem uma considerável verba suplementar. Além
disso, contam com doações das famílias. Em uma única noite, presenciei a doação
de 10 mil dólares de uma única família. Todas as escolas são públicas e
gerenciadas pelo IUSD.
Ao
nos mudarmos para Los Angeles, encontramos propostas de escolas bem
diferenciadas. O Distrito Unificado de Los Angeles (LAUSD) é o segundo maior
dos país, com mais de 1000 escolas. Boa parte delas são charters (públicas com
gerenciamento privado). Há um padrão de infraestrutura comum, com quadras
poliesportivas, bibliotecas, salas de música, auditório, contudo dependendo de
onde a escola é localizada, as condições desses espaços, a quantidade e estado
dos materiais disponíveis varia. Escolas localizadas em bairros de população de
maior poder aquisitivo, tem verba suplementar pela doação das famílias.
Contudo, escolas com alto número de estudantes de baixa renda recebem
suplementação de verba federal ( Tier I[1])
para alimentação, contratação extra de professores para programas específicos, compra de materiais,...
Para
além da diferenciação entre escolas, chama a atenção no LAUSD a diferenciação
de oportunidades educacionais dentro das próprias escolas. Ao contrário de
Irvine, que tinha o mesmo padrão e as mesmas oportunidades para todas as crianças,
Los Angeles conta com 4 programas para os alunos, dependendo de sua capacidade
individual (“mérito”). São elas:
1.
O programa regular, denominado de “Commom Core”, que segue o padrão de
exigência do currículo comum do país nos moldes da Base Nacional Comum
Curricular);
2.
O programa Honors, para crianças que
tem notas mais altas e são compreendidas por seus professores como mais
avançados do que a média;
3.
Programas para as "Crianças talentosas": Escolas Magnet e o programa SAS "Schools of Advanced Studies");[2]
4.
Programa para crianças super dotadas: o Highly Magnet
Nos dois últimos casos, as crianças são diagnosticadas por meio de
testagem específica.
Quanto
mais avançado o grau em que a criança é diagnosticada, mais oportunidades
educacionais lhe são oferecidas. Enquanto uma criança que está no “common core” estuda em uma sala com 40
crianças, com poucas possibilidades de passeios extraescolar, quem estuda no
programa Highly Magnet tem apenas 25
alunos por sala, professores mais qualificados (eles precisam passar por testes
para ministrarem aulas lá) e uma série de passeios extraescolares. Além disso, alguns
programas contam com impressora 3D, computadores disponíveis para todos os
alunos, entre outros materiais.
Ao
conversar com alguns professores e familiares para entender como justificavam essa
diferenciação, a meritocracia pareceu naturalizada em suas falas. Segundo eles, as crianças que estão em programas
avançados, são mais talentosas, estudam mais, se esforçam mais. Diferenciação
nas condições de vida dos estudantes não foram considerados nessa equação.
Já há uma intensa produção científica na área
da educação que correlaciona desempenho educacional com condições objetivas de
vida. Mas a justificativa desses programas desconsidera essa disparidade social
e penaliza a grande massa das crianças que vivem em condições desiguais de vida.
Embora não seja a maioria, ainda há muitos estudantes no Estado da Califórnia e
em Los Angeles especificamente, que vivem em moradias
precárias, como cortiços, albergues, hotéis e em carros. Só para se ter uma
ideia, no ano escolas de 2017-208, “havia 4,3 milhões de estudantes do
ensino fundamental e médio em desvantagem econômica na Califórnia, incluindo
274.714 sem teto, de acordo com dados do departamento de educação”.[3]
Em
recente artigo publicado na “Harvard Political Review”, Sienna Nielsen apontou que as escolas “Magnet” não conseguem lidar com a desigualdade educacional.
Segundo ela, “tentativas de criar condições equitativas,
dando uma educação adequada apenas aos melhores e mais brilhantes, negligenciam
a grande maioria dos estudantes minoritários e perpetuam a lacuna de desempenho.
Não há dúvida de que deve haver algum tipo de reforma educacional para
proporcionar uma educação igual. No entanto, o foco nas escolas magnets estão
apenas resultando em segregação”.[4] Ou seja, a diferenciação das crianças por mérito tem produzido mais desigualdade educacional do que oportunidades educacionais para todos, E essa tem sido uma opção não apenas do Distrito de Los Angeles, mas de vários outros pelo país.
O discurso em defesa das escolas
estadunidenses publicado na revista Nova Escola e bastante difundido pelo
Brasil, desconsidera as contradições e inequidades do sistema educacional e aponta um
modelo que não existe no país.
[1] Para saber mais sobre o Tier I : “Tier
I: “fornece assistência financeira
às agências educacionais locais (LEAs) e escolas com alto número ou alta
porcentagem de crianças de baixa renda famíliar -inventário para ajudar a
garantir que todas as crianças atendam aos padrões acadêmicos estaduais
desafiadores. Atualmente, os fundos federais são alocados por meio de quatro
fórmulas legais baseadas principalmente nas estimativas de pobreza do censo e
no custo da educação em cada estado”.
[2] Para saber mais sobre os programas
para crianças Gifted/ Talented (GATE):“Professores de alunos superdotados / talentosos diferenciam o núcleo currícular através de vários meios, incluindo flexibilidade de agrupamentos, aceleração de conteúdo, estudo independente, hierárquico, tarefas, centros de interesse, centros de aprendizagem, compactação de área, mentorias, perguntas de ajuste, honras e cursos avançados de colocação e uso de recursos de nível superior. Um programa escolar local deve obedecer com um padrão mais rigoroso, proporcionando diferenciação, em vez de instruções "tamanho único para todos" como parte integrante do dia escolar regular”.
https://achieve.lausd.net/cms/lib/CA01000043/Centricity/Domain/222/GATE_Program_Overview_English.pdf
ótima referencia para de informações Colegio Zona Norte SP, ótimo conteúdo mesmo
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