domingo, 23 de fevereiro de 2020

Rotina na Educação Infantil

Olá!
Em meu canal do youtube acabei de postar um vídeo sobre Rotina na Educação Infantil.


Para aqueles que querem saber mais e ter acesso ao texto que eu escrevi sobre o tema segue abaixo.

O que significa Rotina na Educação Infantil?
Quais aspectos precisam ser considerados quando se organiza o tempo vivido nas instituições?

Planejar a rotina nas instituições da infância é fundamental! Mas são muitos os aspectos que envolvem esse planejamento e muitas vezes não nos damos conta deles.  

As crianças aprendem o tempo todo com os adultos e com outras crianças, desde o momento que chegam a instituição até quando vão embora. Mas será que pensamos sobre que oferecemos a elas nos diversos momentos que passam conosco?

A rotina é importante, ela é o alicerce da criança. Quanto menores de idade, mais estável a rotina precisa ser. As crianças antecipam o que farão e tem mais segurança em suas tentativas. Não saber o que vai acontecer reduz a autonomia, porque a criança vai sempre perguntar ao adulto: o que faremos agora? O que vai ser?  Além disso, a rotina não quer dizer necessariamente repetição, porque ao viver novamente uma experiência elas têm oportunidade de testar suas habilidades, tentar de novo o que havia iniciado antes, reorganizar o que viveu.

Mas tem um aspecto da rotina que precisa ser bem pensado: a relação entre singularidade e homogeneidade. Ter rotina não quer dizer fazer sempre tudo junto. Muitas instituições educacionais são ainda muito marcadas pela ideia de que “Todo mundo faz a mesma coisa ao mesmo tempo o tempo todo”. Todos dormem, comem, vão ao banheiro, desenham, esperam para fazer algo sempre juntas.


Mas como conciliar tempos diversos em uma instituição que é essencialmente coletiva? Esse é um grande desafio dos educadores da infância e que para respondê-lo, há algumas reflexões anteriores que precisam ser feitas. A primeira reflexão se refere ao papel da educação infantil e sua especificidade. Estamos falando de crianças pequenas, que estão construindo sua personalidade e se percebendo enquanto sujeitos singulares, que tem necessidades, desejos, vontades e recusas, que pensam o mundo e atribuem sentido a ele, a partir das experiências que vivenciam.

Aí reside o principal papel do educador da infância que é o cuidado educativo (ou cuidar/educar indissociável que se fala tanto!). Cuidar/educar refere-se a estar atento as necessidades, desejos e inquietações das crianças em todas as suas dimensões (afetiva, cognitiva, motora,...); também quer dizer garantir a proteção, segurança e bem estar das crianças e, organizar ambientes que estimulem sua imaginação e agucem sua curiosidade.

Isso exige um educador que seja um intérprete das manifestações crianças (já que nem todas conseguem verbalizar oralmente essas necessidades), que consiga ter uma escuta atenta e sensível à elas. Incorporar esse princípio que vem sendo recorrentemente enfatizado em quase todos os documentos oficiais é o primeiro desafio!

Ainda há um ideário muito forte de que ser professor é dar lições, controlar a turma e garantir a disciplina (entendida como todos em silêncio) e isso se revela com muita intensidade nas práticas e na organização do tempo e espaço de muitas instituições, que valorizam as chamadas “atividades pedagógicas” como mais nobres e não consideram a dimensão integral que a formação da criança pequena exige.

O modo como compreendemos nosso papel como educadores da infância, como vemos as crianças se revela na organização dos espaços e tempos na instituição. Por isso que para realizar essa organização, é preciso refletir profundamente sobre isso.

O professor da infância não precisa ser o centralizador de tudo, as crianças não aprendem apenas a partir de sua palavra e de sua intervenção direta. Interessante que sempre que peço para que meus alunos da graduação em Pedagogia planejem uma sequência de atividades com as crianças, a maioria das propostas estão centralizadas na fala do professor: é ele que comanda o tempo todo.

Organizar espaços (cantos) em que as crianças possam se organizar em pequenos grupos, ficar sozinhas quando sentirem necessidade (principalmente, em instituições de período integral, o atendimento a essa necessidade precisa ser garantida) é fundamental. Quando estão concentradas nesses cantos, elas não necessitam da atenção constante do professor, que pode se concentrar em algumas crianças por vez de modo a conhecê-las mais profundamente.  Por isso, é preciso prever cotidianamente tempo para que as crianças possam trabalhar em diferentes agrupamentos, com espaços desafiadores.

A hora do sono é um momento interessante para perceber como estão sendo garantidas as singularidades das crianças. Muitas crianças precisam dormir durante o dia, nosso corpo precisa de descanso e as crianças que estão vivendo muitas experiências intensamente, em geral, precisam desse tempo. Mas, como somos seres dotados de singularidade, isso não é uma regra absoluta.

Existem crianças que não tem necessidade de dormir à tarde e ficam o tempo todo durante a “hora do sono” acordada. Algumas “brigam” como sono, mas outras realmente não sentem necessidade de dormir e esse momento chega a ser torturante.

Cabe o olhar sensível e investigativo do educador e da instituição para tentar entender a necessidade das crianças. Ao invés de tentar fazê-las dormir a qualquer custo, podem organizar um outro espaço para acolher essas crianças em outras atividades. Muitas instituições vêm fazendo isso com muita tranquilidade, há bastante tempo. Embora isso não seja tão fácil, uma vez que por falta de tempo de formação, algumas instituições optam por reunir seus educadores nesses momentos de maior “calmaria” na rotina, o que obviamente precisa ser repensado.

O maior desafio da educação infantil é inserir, de fato, as crianças e suas necessidades no centro do processo educativo, como prega as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil.

Alguns questionamentos: A instituição é de fato voltada para as crianças ou é pensada para os adultos? Em que medida as crianças e suas singularidades tem sido contempladas? Como temos pensado sobre isso? Que momentos da rotina precisam efetivamente ser coletivos, no sentido que todos fazem algo juntos? E como contemplar a diversidade mesmo em momentos coletivos, como a hora do almoço, por exemplo, considerando que nem todos comem no mesmo ritmo? Cremos na criança como centro e na garantia de sua singularidade? O modo como respondemos a todas essas questões é que nos dará pistas sobre como organizamos, a partir dos nossos contextos, nossos tempos e espaços de convivência.

      Outros aspectos em relação a rotina que vão além dessa dualidade:  singularidade e homogeneidade foram levantados por Maria Carmem Barbosa no excelente e necessário livro: Rotinas na Educação Infantil: Por Amor e Por Força. No capítulo “Os Usos do Tempo”, a autora chama a atenção para aspectos a serem refletidos na rotina que muitas vezes nos passam desapercebidos. Ela trata de mitos e hábitos que precisam ser olhados mais cuidadosamente por nós educadoras e educadores da infância.





     Um primeiro aspecto que ela evidencia é a sensação de aceleração permanente do tempo. Essa sensação recorrente que temos que o tempo está “voando”. E junto com ela, vem outra sensação: a da necessidade de produção. O tempo está passando rápido e precisamos produzir cada vez mais, como se quem fossemos estivesse diretamente ligado ao quanto produzimos: “somos melhores se produzimos mais”. Esse tempo da produção do capital também vem marcando nossa vida e o tempo da instituição da infância. É forte a idéia de que quanto mais registros as crianças fizeram, melhor a escola. Como se apenas através do registro fosse possível valorar o quanto a criança aprendeu. Por isso, as apostilas tem tido um papel cada vez mais central nas instituições da infância. Como se a quantidade de folhas preenchidas fosse uma prova de que as crianças estão sendo produtivas na escola.

       Nessa concepção, em que o que importa é o registro/o produto, o tempo humano é desconsiderado. O tempo interior, aquele do sonho, do desejo, da emoção, fica relegado a segundo plano. E a educação que deveria ter como finalidade a humanização dos sujeitos, passa a ser cada vez mais desumanizadora.

      Escolano, citado por Maria Carmem, aponta que a subdivisão do tempo na instituição nunca é neutra, nem uma questão meramente técnica. A organização da “linha do tempo”, por exemplo, não se trata apenas de adequação de horários de cada sala na instituição, mas é reveladora de como a instituição entende que deva ser passado o tempo das crianças ali.

        Escola é um lugar de encontro, do tempo de estar juntos. Lugar de segurança, onde as crianças vão para compartilhar fazeres, saberes, pensamentos, dúvidas. Mas, para constituir, encontros na vida cotidiana, precisamos de tempo, diz Maria Carmem Barbosa.  As novas gerações precisam ter uma outro relação com o tempo. Precisam ver o tempo como algo precioso,  que deve ser dividido e compartilhado com os outros.

      Alguns aspectos a serem atentados na organização de uma rotina são apresentados no texto. São eles: a alternância, o tempo de espera, as transições e a seriação.

       Sobre alternância cabe pensarmos: Como temos alternado o oferecimento das propostas para as crianças? Acreditamos no “mito da falta de atenção”, que prega que os pequenos tem pouca capacidade de concentração e portanto as propostas oferecida a eles tem que ser bem curtas? Ou, ao contrário, cremos que quando as propostas tem significado para as crianças elas são capazes de ficar bastante tempo entretidas nelas? A questão é a falta de atenção das crianças ou as propostas que são desinteressantes?


       E o tempo de espera das crianças na instituição? Quanto esperam, quando esperam, por que esperam? Como temos refletido sobre isso? Há algumas pesquisas nas instituições da infância que demonstram que as crianças ficam 1/3 do seu tempo esperando o adulto dar um comando. Será que não é possível planejar propostas diversificadas para reduzir o tempo de espera? Vamos compartilhar experiências nesse sentido? Escrevam nos comentários.

      As transições entre as propostas é outro ponto importante a considerar. Como ocorrem? Há encadeamento das propostas ou há fragmentação entre elas? Se há fragmentação, como passamos de uma atividade para outra? Através de palmas, gestos, símbolos, canções?  Muitas vezes não se reflete sobre a transição e  o encadeamento das atividades, sobre o continum como disse Madalena Freire. Ação iniciada hoje, pode ser terminada na volta ou no dia seguinte, caso necessário, caso seja hora do almoço, por exemplo.  

      Em relação a transição por canções, Maria Carmem Barbosa nos alerta para os estereótipos e a moralização que há por trás delas. Se queremos que as crianças construam noções temporais, marcar o tempo por essas estratégias, realmente as ajuda? Além disso, se queremos que sejam criticas e reflitam sobre o mundo, o conteúdo moralizador por trás dessas canções permite a formação desse tipo de sujeito?


       Por fim, como são formadas as salas? Por crianças na mesma faixa etária? Se for, há na rotina previsão para que crianças de idade diferentes vivenciem as mesmas experiências coletivamente, já que sabemos que isso é tão essencial na formação delas?

       Adotar um planejamento móvel e significativo para os sujeitos que vivem o tempo nas instituições, sejam eles crianças ou adultos, que permita sair da arbitrariedade, da uniformidade e da organização burocrática é a mensagem final do texto de Maria Carmen que também afirma:


       "A atenção aos detalhes, a delicadeza, sensibilidade são instrumentos políticos fundamentais do processo educativo. Precisamos viabilizar uma cultura de esperança e alegria, através de um outro modo de viver o tempo. O tempo não é apenas aquele que passa, mas que precisa ser vivido e compreendido para vivermos uma vida justa e alegre. Precisamos também criar reservas de entusiasmo que nos dão vontade de continuar com as coisas."


Abraço!


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Olá! Comente aqui sua opinião!