terça-feira, 3 de julho de 2012

Congresso Internacional de Educação Infantil - Conferência: A Vida Cotidiana.Maria Carmem Barbosa


Olá pessoal!

Foram muitas conferências e algumas mesas redondas que participei, portanto terei que postar aos poucos.

Uma dessas conferências foi com a Professora Maria Carmem Barbosa, da UFRGS, que lindamente, com sua maneira poética e sensível de dizer coisas tão complexas, nos ajudou a refletir sobre o uso dos tempos na educação infantil.

Ao iniciar a palestra, citou Mia Couto, um famoso escritor moçambicano:

"A infancia é quando ainda não é demasiado tarde. É quando estamos disponíveis para nos surpreendemos, para nos deixamos encantar. Quase tudo se adquire nesse tempo em que aprendemos o próprio sentido do tempo".  

Segundo Maria Carmem, o cotidiano é o tempo que as pessoas vivem e a rotina trata-se do modo como organizamos esse tempo.

Felix Guattari afirmou no final do século XIX que a creche era um espaço de iniciação e que uma um das iniciações mais importantes da crianca era no tempo do capital. Os processos econômicos de aceleração, vistos desde essa época, diminuem o tempo para vivermos nossas experiências mais profundamente, estar com o outro, conversar, é substituído pelo imediatismo da compra ou entrega de produtos. As escolas infantis, apesar de serem "improdutivas", apresentam também esse tempo do capital. Há três caracteristicas muito fortes na vivência com o tempo nas instituições da infância que relevam isso:
1.Ausência do tempo. Vivemos uma angústia com o tempo, no que se refere a escuta das crianças, já que nos implicamos mais em manter a atenção delas, em  desenvolver-lhes habilidades e em responder à solicitação da sociedade para preparar-lhes para ofuturo.

2. Pressa excessiva. Vemos crianças sendo apressadas para seguir ao tempo dos colegas. Trata-se do  tempo da fábrica, como no filme:"Tempos Modernos" de Charles Chaplin.

3. Fragmentação do tempo. Os tempos nas instituições são fixos, sequenciados, lineares, estabelecidos pelos adultos.


Mas se a rotina é organizada por nós, também temos a possibilidade de desorganizá-la. mas é preciso lembrar que essa organização, não é apenas da escola, mas da sociedade. Essa temporalidade acelerada que invade a escola e a vida das crianças precisa  de resistência. Aceleração causa ausência de sentido e uma sensação de fracasso profissional e pessoal.

Maria Carmem aponta três formas de resistência:
1. Escola comó lugar de encontro: Para resistirmos, é preciso entendermos a escola enquanto lugar de encontro, com tempo para estarmos juntos. Lugar de segurança, onde as crianças vão para compartilhar fazeres, saberes, pensamentos, dúvidas. Lugar onde o extraordinário invade o cotidiano.  Mas, para constituir, encontros na vida cotidiana, precisamos de tempo.
As novas gerações precisam ter uma outro relação com o tempo. Precisam ver o tempo como algo  precioso,  que deve ser dividido e compartilhado com os outros. Fazer isso é oferecer às criancas resistência ao tempo do capital.
São as experiências cotidanas que nos ensinam  como nos inserimos no mundo. Assim, precisamos construir e trocar experiencias, colocar o patrimonio cultural unido a dimensão sensivel dos sujeitos, ampliar os sentidos do dia a dia. Necessitamos, portanto, construir tempo para estar juntos, nos fazermos presente, estarmos atentos e interessados. Estar juntos e compartilhar o tempo é o primeiro ato de resistencia.

2. Brincar.  Brincar é a capacidade de inventar mundo, e as crianças brincam cada vez menos. Essa é uma necessidade humana, mas temos oferecido cada vez menos oportunidades para as crianças brincarem. O desenvolvimento dos sujeitos está vinculado as possibilidades que o ambiente oferece à eles, e são os pequenos atos que oferecem a formação de um mundo imaginário.
Só quem imagina é que pode construir novos mundos e as criancas que inventam o mundo em suas brincadeiras poderam ter mair disposição para criar também novos mundo  quando se tornarem adultos.

3. Narrativa. Narrar a vida. As narrativas para as crianças, sejam sobre elas mesmas ou sobre o mundo,  constituem sua memória e criam espaco para o pensamento. Narrativas podem transformar crianças em protagonistas, pois contribuem para valorizar suas vozes. A documentação pedagógica é uma forma de deixar essas narrativas mais potentes e esse tipo de narrativa estabelece valores para a sociedade em relação a quem são as criancas. O currículo pode ser visto como uma narrativa, e não como uma prescrição. Ainda existe uma forte idéia de que se tivessemos um currículo único a educação andaria bem e de que sem um currículo fechado as crianças não aprenderiam nada. Isso não é assim. É certo que uma escola feliz não é uma escola onde não há aprendizagem, mas precisamos aprender juntos.
Além disso, a narrativa une as pessoas e as diferentes gerações. Narrar cumpre função ética e estetica e une fazer e falar, cria memórias ativas. O tempo se contrói pela narrativa que une o ontem e o amanhã. Esta é também uma forma de construir tempos, pois é mais do que um registro, é uma instauradora de ficção.

Já finalizando sua fala, Maria Carmem citou Boaventura de Souza Santos, sociólogo português que disse: "O neoliberalismo é antes de tudo uma cultura de medo, sofrimento e morte para a grande maioria. A ele não se combate se não pusermos uma cultura de esperança, de vida". Nesse sentido, a escola não pode reduzir a vida tal como é. A experiência, a brincadeira e a narrativa são elementos essenciais da educação das crianças. A atenção aos detalhes, a delicadeza, sensibilidade são instrumentos políticos fundamentais do processo educativo. Precisamos viabilizar uma cultura de esperança e alegria, através de um outro modo de viver o tempo. O tempo não é apenas aquele que passa, mas que precisa ser vivido e compreendido para vivermos uma vida justa e alegre.
Precisamos também criar reservas de entusiasmo que nos dão vontade de continuar com as coisas.
E novamente citando Mia Couto, termina:"Quem fala do tempo fala da espera e de sua irmã gemea que é a esperança".


Aproveito para divulgar a vocês algumas reflexões que realizei a partir texto de Maria Carmem Barbosa, intitulado: "Os usos do tempo". Link:http://pedagogiacomainfancia.blogspot.com.br/search/label/Rotina
A autora também coordenou a realização do documento: "Práticas Cotidianas para a Educação Infantil - Bases para a reflexão sobre as orientações curriculares". Esse documento é uma referência na área e deveria ser lido por todos que trabalham direta ou indiretamente com crianças pequenas. Link: http://pedagogiacomainfancia.blogspot.com.br/2010/01/praticas-cotidianas-para-educacao.html

Abraços! 

Um comentário:

  1. Olá Janaina, nas minhas buscas na net por blog que apresentem bons conteúdos, esbarrei neste espaço acolhedor e informativo. Sendo assim, gostaria de convidar de forma especial, todos os Educadores que seguem e/ou visitam este blog.
    No dia 01/07/2012, foi o lançamento oficial do espaço http://www.educadoresmultiplicadores.com.br/.
    Peço que visitem este link, que leiam e caso gostem, participem!
    Janaina, conto com sua participação especial neste novo projeto! Parabéns pelos textos.
    Aceitando participar, voltarei para retribuir! Abraçosss

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