Semana
passada tive uma conversa com educadores de CEIS e EMEIS na região de São
Miguel sobre espaços da educação infantil. Nessa conversa selecionei algumas
reflexões que considero importantes de serem compartilhadas quando pensamos em
uma pedagogia da infância que considere às crianças. Reflexões que reproduzo aqui para
dialogarmos.
- Espaço trata da dimensão física, da
organização de mobiliários e materiais que disponibilizamos para as crianças. A
maneira como o organizamos revela sempre
a relação pedagógica que estabelecemos com os pequenos. Nas palavras de
Ana Lucia Goulart:
“Um espaço e o modo como é
organizado resulta sempre das idéias, das opções, dos saberes das pessoas que
nele habitam. Portanto, o espaço de um serviço voltado para as crianças traduz
a cultura da infância, a imagem das crianças, dos adultos que a organizaram; é
uma poderosa mensagem do projeto educativo concebido para aquele grupo de
crianças”.
- Já afirmavam os clássicos da pedagogia que a organização do espaço tem influência
sobre os usuários determinando em parte o modo como professores e crianças
sentem, pensam e se comportam,
A criação de instituições de
educação destinada às crianças pequenas data do final do século XIX e início do
século XX e foi influenciada principalmente por esses pensadores clássicos,
especialmente aqueles ligados a Escola Nova. Em comum, eles já percebiam o
espaço como um elemento central da pedagogia da infância. Destaca-se Freinet,
Montessori e Dewey, todos hoje base para a educação na região de Reggio Emilia,
na Itália (considerada referência na área da educação infantil) e que precisam ser estudados com
mais profundidade nos cursos de formação.
Maria Montessori |
- É preciso que
transformemos espaços em ambientes, que é o conjunto do espaço físico e das
relações que lá são estabelecidas. O espaço físico precisa se
tornar ambiente, isto é, ambientar crianças e adultos. A idéia de que espaço e
ambiente são separados só acontece na cabeça dos adultos. Para a criança, o
espaço pode ser “o espaço- alegria, o espaço-medo, o espaço-proteção, o
espaço-mistério, o espaço-descoberta, enfim, os espaços da liberdade ou da
opressão?” (Lima, 1989, p. 30)
Nesse sentido, quando
pensamos em organização de espaço, precisamos nos perguntar: Como nossos
espaços tem sido ambientados? Que sensações (físicas, emocionais, sonoras,
táteis) provocam em nós e nas crianças? Como se tem constituído as relações
ali? Que interações tem sido provocadas pela organização do espaço?
- Para potencializar a expressão infantil
deve-se observar como a criança se organiza, o que a favorece em termos de
exploração e criação. Muitas vezes o espaço é organizado a partir de
pressupostos que o adulto tem, sendo essa uma lógica que nem sempre favorece as
crianças. Por isso, torna-se tão importante perceber como as crianças se
relacionam com o espaço, quais seus lugares preferidos, o que as atrai ou as
repudia, como se expressam oral e corporalmente nos espaços que frequentam.
- O espaço é sempre retrato da relação
pedagógica, como bem diz Madalena Freire. O que retrata nosso espaço? O que revela sobre os grupos que convivem ali? É um espaço
memória? Aquele que registra através de sua arrumação e
organização o que vai sendo vivido, revelando as descobertas,
o crescimento e as dúvidas de crianças e adultos que ali convivem. Ou é o espaço estagnação?
Com paredes nuas ou coladas com painéis de EVA - bonita aos olhos de alguns
adultos mas que não contam nada sobre quem são os sujeitos que ali estão e que
muitas vezes denunciam o estancamento e a diminuição da paixão de
viver-conhecer o mundo própria do ser humano, justamente por não revelarem nada das experiências acontecidas ali.
- Temos discutido na área o quanto as crianças são potentes e
criativas., o quanto falam (nem sempre com a boca) e produzem conhecimento
sobre o mundo, atribuindo significados as experiências à elas oferecidas. O
modo como valorizamos suas produções e a organizamos nas paredes e corredores
da escola, mostra para a sociedade que a infância precisa ser valorizada
enquanto produtora de cultura. Trata-se de um compromisso social de valorização
da infância e as instituições de educação infantil são pólos para isso.
-A valorização das produções das crianças precisa se dar de forma estética, portanto essa produção não ser
apresentada de forma descuidada. O blog da professora de uma EMEI na cidade de
São Paulo, chamada Renata Honora, nos
mostra como esta valoriza e organiza os trabalhos das crianças e pode ser uma referência para nós. www.fazeresnaescoladeeducacaoinfantil.blogspot.com
-
As marcas singulares das crianças precisam aparecer, elas precisam se
perceber como sujeitos singulares que deixam marcas no mundo e que pertencem a
ele. Essas marcas não aparecem quando são valorizados trabalhos idênticos, feitos todos da
mesma maneira em que não identificamos nenhuma marca pessoal de quem a
produziu, como por exemplo, as dobraduras do saci, a florzinha esteriotipada, o
desenho pronto do índio, entre
tantos outros modelos que só cabe a criança pintar (muitas vezes da mesma cor
que as outras) e que são espalhadas por vários blogs e apostilas.
- O modo como organizamos o espaço provoca
interações de diferentes naturezas. Segundo Mara Carvalho e Marta Rubiano, em
suas pesquisas em diferentes
instituições de educação infantil, é possível perceber três arranjos espaciais:
aberto, fechado e semi aberto. Nos espaços abertos, em geral há um espaço
central vazio, porque se acredita que as crianças pequenas precisam de muito
espaço sem mobiliários. Nesses espaços, ambas perceberam que as interações
entre crianças são raras, e que há a tendência destas em permanecer em volta do
adulto, as crianças se espalham pela sala em deslocamentos freqüentes; Nos espaços
fechados há a presença de barreiras físicas, como móveis altos e há
a tendência da criança de permanecer mais próxima do adulto, evitando áreas em
que ele não está (desenvolvimento do apego). Já nos arranjos semi abertos
(cantos), o espaço é organizado por zonas circunscritas que proporcionam as
crianças uma visão de todo campo de ação. O que se percebe é que nesse tipo de
arranjo, as crianças em subgrupos ocupam preferencialmente zonas circunscritas
mesmo quando afastadas dos adultos, as crianças se associam mais aos seus
colegas e a um grande desenvolvimento do sentimento de competência.
- Essas mesmas autoras apontam que a
organização de espaços para crianças pequenas em instituições coletivas
precisam considerar algumas funções. São elas:
a) Promover Identidade Pessoal: Ambientes precisam possibilitar que as
crianças desenvolvam sua individualidade, permitindo-lhes ter seus próprios
objetos, personalizar seu espaço e sempre, que possível participar de decisões
sobre o mesmo.
b) Promover o desenvolvimento da competência: Desejo
de ser competente é básico no ser humano, nesse sentido, o ambiente deve ser
planejado para que as crianças possam desenvolver controle e domínio de seu
habitat: fácil acesso aos objetos, sem necessitar de assistência constante. A autonomia
é um processo construído e que precisa ser possibilitada às crianças em seu
desenvolvimento.
c) Promover oportunidades para crescimento: Oportunidade para explorar ambientes ricos e variados,
Possibilitando o desenvolvimento de:
-Movimentos corporais (andar,
correr, subir descer e pular com segurança) . Criança aprende a se mover e a
controlar o próprio corpo vivendo experiência que a possibilitem fazê-lo.
- Estimulação dos sentidos:
Ter contato com elementos naturais: cheiras, sentir a brisa, as variações do
ambiente. Desenvolvimento de atividades em espaços abertos e presença de
elementos naturais nos interiores (janelas que permitam a iluminação natural,
visão do céu, presença de vasos de plantas). Variação nas cores, formas, sons, vozes, aromas, toques.
d) Promover sensação de
segurança e confiança: Lugar confortável, interessante, desafiador e
seguro. Variações dramáticas deixam a criança desorientada. Mas, é importante
lembrar que essa sensação não se dá apenas pela dimensão física, mas as
relações de acolhimento e generosidade estabelecidas pelos adultos com as crianças são
fundamentais.
e) Promover oportunidades para contato social e privacidade: É importante variar o tamanho da área em um
mesmo espaço para oferecer espaços para atividades em pequenos grupos ou de todo o grupo,
promovendo diferentes interações. Mas é preciso também organizar espaços privados que permitam às crianças expressar e explorar sentimentos longe
do olhar dos outros, retirar-se momentaneamente do grupo e descansar de novas situações.
Quando falamos de espaço e
ambiente são muitas as questões a serem consideradas. Temos a tendência de
torná-los auto-evidentes, como se não fossem permitidas mudanças porque foram assim desde que o conhecemos. Isso não é verdade! O
espaço nas instituições de educação infantil são organizados por sujeitos e
podem ser sempre reorganizados por eles.
Nesse sentido fica a última pergunta para
refletirmos: Como estão nossos espaços??? Em que medida se aproximam ou se
afastam da pedagogia que acreditamos e que considera de fato às crianças como foco
do processo educativo?
Grande abraço!
Algumas referencias bilbiográficas
sobre o tema para aprofundamento:
AMBROGI, Ingrid H. Reflexões
sobre os usos do espaço como garantia para a criação de meninos e meninas pequena.
Pro posições; Campinas. Vol 2., n. 22 (65), 2011.
lARAÚJO, J. M.; ARAÚJO,
A. F. Maria Montessori: infância, educação e paz. In: FORMOSINHO, J. O.;
KISHIMOTO, T. M.; PINAZZA, M. Pedagogia(s) da infância: dialogando com o passado
construindo o futuro. Porto Alegre: Artmed, 2007.
lCARVALHO, M. I.;
RUBIANO, M. R. B. Organização do espaço em instituições pré-escolares. In:
OLIVEIRA, Z. M. R. (Org.). Educação Infantil: muitos olhares. São Paulo:
Cortez, 1994.
lELIAS, M. DEL. C.;
SANCHES, E. C. Freinet e a pedagogia – uma velha ideia muito atual. In:
FORMOSINHO, J. O.; KISHIMOTO, T. M.; PINAZZA, M. Pedagogia(s) da infância: dialogando
com o passado construindo o futuro. Porto Alegre: Artmed, 2007. p. 145-170.
lFORMOSINHO, J. O.;
KISHIMOTO, T. M.; PINAZZA, M. Pedagogia(s) da infância: dialogando com o passado
construindo o futuro. Porto Alegre: Artmed, 2007.
lHORN, Maria da Graça.
Cores, Sons, Aromas e Sabores: A Organização do Espaçona Educação Infantil.
Porto Alegre: Artmed,1998
Documentos oficiais que tratam do tema e que são fundamentais
para serem lidos:
Olá Janaina, Muito bom ser lembrada em sua reflexão sobre espaço na educação infantil.
ResponderExcluirEstou na EMEI Jean Piaget...quando puder faça uma visita para conhecer nossos espaços.bjo Renata
Gostei muito das suas colocações a respeito do espaço e principalmente lembrar que os espaços na educação infantil devem refletir sim as suas vivências, sendo de suma importancia a exposição das atividades das crianças pois assim elas se sentem parte desse processo. Parabéns!!
ResponderExcluirGostei muito das suas colocações a respeito do espaço e principalmente lembrar que os espaços na educação infantil devem refletir sim as suas vivências, sendo de suma importancia a exposição das atividades das crianças pois assim elas se sentem parte desse processo. Parabéns!!
ResponderExcluirSeu blog é muito bom. Gosto do seu texto e suas experiências. Muito obrigada!
ResponderExcluirTambém temos um blog de Educação Infantil, o www.tempodecreche.com.br , seja bem vinda!
Abraços!
Bom dia! Gostei muito, estes espaços falam da vivencia das crianças e mostra todas as experiência cias que as crianças desenvolvem
ResponderExcluircomo protagonista. O incrível e que posso olhar estas belezuras e reinventar. Obrigada.