domingo, 17 de agosto de 2014

Documentação pedagógica

Olá a todos,
Disponibilizo hoje o terceiro texto escrito por André Carrieri sobre Documentação Pedagógica.
Aproveito também para compartilhar o vídeo: "Como fazer registros pedagógicos em foto e vídeo", produzido pela Nova Escola, que contém entrevistas e dicas  de André Carrieri, André Spinola e Bruno Mazzoco sobre a melhor maneira de registrar situações de sala para aprimorar nossa prática .



 Abraço!

A câmera é um brinquedo


O filósofo tcheco, naturalizado brasileiro, Vilém Flusser dizia que "a fotografia nunca vai ser uma profissão, porque a máquina é um brinquedo". O que queria dizer é que, diferentemente de outros instrumentos que o homem manipula no seu trabalho árduo, cotidiano, a câmera permite a experimentação, o jogo, a arte, e que o resultado depende de quem a utiliza.

A primeira associação que me vem à cabeça é que existe uma ligação forte entre fotografar e brincar. Essa ideia fica clara quando realizamos um passeio fotográfico pelo espaço urbano da cidade. Existem condições que nos levam a uma outra dimensão: um grupo de pessoas, fora do estado funcional na cidade, do tempo cronológico, coletando imagens fotografáveis. A concentração e o movimento corporal dessa experiência é suficiente para não querer parar de fotografar. Já vi acontecer com grupos em cidades como São Paulo, Salvador, Jundiaí, São Carlos. E agora, Belo Horizonte.

Na nossa saída pela cidade em busca de experiências fotográficas o professor não trabalha com a câmera, mas brinca com ela. Como um jogo de xadrez, o professor/fotógrafo procura um lance novo, uma imagem nova, a fim de realizar uma possibilidade oculta no jogo de fotografar. E essa pessoa que manipula a câmera "não é um trabalhador, mas jogador: não um homo faber, mas homo ludens", diz Flusser. A câmera funciona efetivamente em função da intenção lúdica do fotógrafo.

A afirmação "a máquina é um brinquedo" nos possibilita estabelecer ainda outras associações livres. Primeiro, que este aparelho está acessível a todos que querem "brincar" e que não necessariamente precisamos esperar por uma excelência profissional para sermos fotógrafos. Vincular o ato de fotografar ao ato de brincar legitima qualquer pessoa, fotógrafa ou não, a se arriscar mais. Segundo, que fotografar é como um jogo. O ato fotográfico é um jogo. Por isso, talvez, sentimos que nesse estado tão concentrado fotografamos com o corpo todo, usamos todas as nossas referências culturais, nos movemos rapidamente e, naquele exato instante, apertamos o botão da câmera, para conseguirmos uma "boa jogada".

Flusser fala que "fotógrafos não trabalham, agem. [...] o fotógrafo produz símbolos, manipula-os e os armazena. Escritores, pintores, sempre fizeram o mesmo. O resultado deste tipo de atividade são mensagens: livros, quadros, projetos. Não servem para serem consumidos, mas para informarem, serem lidos, contemplados, analisados e levados em conta nas decisões futuras". Parece que ele está querendo sintetizar a documentação pedagógica: conteudos lúdicos para serem lidos, contemplados, analisados e levados em conta nas decisões futuras.

No livro Filosofia da caixa preta (São Paulo: Hucitec, 1985), o filósofo termina o capítulo com um parágrafo sobre a câmera fotográfica que invoca a nossa participação para o jogo: "a câmera fotográfica é um objeto tecnológico, feito de plástico ou metal. Mas não é isso que a torna um brinquedo. Não é a madeira do tabuleiro e das pedras que torna o xadrez, jogo. São as virtudes, os caminhos possíveis contidos nas regras: o software". O software é a nossa maneira individual e intransferível de olhar e ler este universo feito de luz e sombra.


André Carrieri
29 de julho de 2014


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